quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A minha maneira




Mesmo que seja cedo, sinto que as coisas irão mudar. As bases já foram desfeitas, me sinto só, triste e cansada. O tempo passa rápido, exceto pelo tédio e desânimo repentinos. Eu, infelizmente, perdi as esperanças. Perdi-as na família, nos estudos, nos amores, enfim, em tudo. Minha única necessidade é a de perpetuar essa dor, permanecer em silêncio, deixando fluir de mim para o mundo e de volta a mim. Meu corpo pede descanso, minha alma pede repouso. Sinto falta dessa sonolência que adormece os sentidos e aconchega a alma. Desse modo, o corpo, mesmo que no frio, possui um calor a preencher as extremidades. Parte do centro ao braços, as coxas, mãos e, por fim, ao rosto. Mantendo-lhe aquecido, faz com que se sinta querido e pertencente. Pertencente ao que? a algo, oras. Propósitos se agarram a ti, mas não lhe questionam, muito menos procuram vir a tona. Apenas preenchem e, preenchendo, também tecem a calma e conforto tão desejados. É necessário fazer-se sentido nesta vida. Aceitar sentir as dores que lhe são impostas, as alegrias passageiras, é um ato de constante fé e renovação. Constante coragem e prática para reconstruir as estruturas que nós mantém unidos e capazes de nos reerguer a cada tempestade, cada maré, cada seca. Ao criar seu castelo, percebe que as paredes e os muros são frágeis, as portas facilmente arrombadas. Exausta por sempre ter de reconstruir sua fortaleza inabitável, ri e sofre, sofre e ri. Ao cair, deixa-se carregar pelo movimento das marés. Segue de encontro aos muros, retorna ao mar. Ferida e inconsolável, pergunta-se por que não é capaz de construir muros altos, resistentes, portas e paredes que lhe deem segurança. Tendo perdido o sal todas as possíveis refeições que a vida seria capaz de lhe dar, dá de cara a outro condenado. Este, escalando por sobre o que restou dos muros, procura entrar no castelo.Vendo aquela pobre criatura, o estranho cede em empatia e piedade. Promete-lhe reconstruir tudo o que fora arruinado, dedica-se a viver por dois a dor de um. Passado-se os anos, a entrada está repleta de restos, alguns sonhos jogados sobre a mesa, a esperança varrida para baixo dos tapetes, a esperança e o próprio amor despedaçados na escada. Sigo para o cômodo seguinte, mas o que encontro não quero ver. O que vejo, se parece comigo, mas não se trata de mim. Fala, pensa e age como eu, mas não sou eu. Agora, apoiando os joelhos nas cinzas, seguro entre os braços aquele corpo cansado, oco e maltratado. Seus olhos já não encontram os meus, e, mesmo podendo me ver neles, não me reconheço. Porém, encontro bem ao fundo, o que poderia ter sido. Dançando nas tuas órbitas, vejo um homem a segurar um tecido e uma mulher ao lado a desfazer-lhe os fios. Perdida em mim, caio lentamente, caio, caio profundamente. Numa centelha de luz, a ti eu me agarrei, nos jogando mais ao fundo, a ti eu me entreguei. Aproximando-me do meu fado, sinto o choque, mas não há medo. Me sinto entorpecida, mas também arrependida. Não há nada junto a mim e, tentando juntar o que sobrou de mim, de ti não há nada. Há sim, o que eu poderia ter sido, o que você foi por mim.

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