1. Estrutura
Trama e enredo
Erêndira e a avó viviam na enorme mansão situada no deserto quando o vento forte deu suas primeiras investidas, trazendo o vento de sua desgraça. Exausta pelo excessivo e abusivo serviço doméstico realizado para a avó, Erêndira coloca o candelabro aceso em cima da cabeceira e adormece. Ao acordar, sua desgraça estava concretizada. O vento havia derrubado seu candelabro em cima das cortinas e as chamas tomaram conta da mansão. Decidida a recuperar o que perdeu, a avó impõe a Erêndira uma dívida, dando início a toda sua crueldade. A avó decide prostituir a neta e, conforme Erêndira fica conhecida no ramo, consegue alguns ganhos. Entre seus clientes, Erêndira acaba apaixonando-se por Ulisses, sentimento mútuo que o leva a tentar tirá-la das garras da avó. Conforme a tentativa falha e ambos são pegos durante a fuga, Erêndira e a avó seguem sua viagem em direção a outras terras, deixando Ulisses para trás. Atormentado pelas lembranças de Erêndira, Ulisses parte em sua busca, porém, ao encontra-la, Erêndira lhe propõe que mate a avó. Cego por amor, Ulisses enfim a mata, contudo, Erêndira pega o colete de ouro da avó e foge, sem rumo, deixando Ulisses e seu passado para trás.
As personagens e suas classificações
Personagens principais
A avó desalmada: Ex-prostituta, resgatada por Amadis pai, seu falecido marido, é uma mulher cruel e abusiva, nostálgica, gorda e branca como uma baleia, possui sonhos de grandeza aos quais submetia Erêndira a serviços domésticos excessivos e caprichos da avó desde pequena. Ao longo da narrativa demonstra ser uma pessoa fria e sem coração, pois prostitui a própria neta levando-a a exaustão, sem preocupar-se com o bem estar da mesma, características visíveis desde o início da história, portanto pode-se classificar como uma personagem plana.
Cândida Erêndira: Filha de Amadis filho, 14 anos, menina tenra e lânguida, e que apesar dos abusos cometidos pela avó demonstrou-se ser calma e mansa, sem se rebelar. Conforme a narrativa avança, Erêndira demonstra ter rancor pela avó, tentando escapar e no fim até mesmo matá-la, deixando a cargo de Ulisses o ato. Porém, seu desejo maior era de ser livre, surpreendendo o leito ao final da história, o que a caracteriza como uma personagem plana com tendência a redonda.
Ulisses: Jovem bonito, com aspecto de anjo, apaixona-se cegamente por Erêndira, sentimento do qual a mesma parece corresponder no início. Esse amor o leva a cometer atos inesperados, mudando seu destino e o de Erêndira. Trata-se de um personagem plano.
Personagens secundários
São todas personagens planas os seguintes:
O fotógrafo: Acompanha de bicicleta Erêndira e sua avó. Ao ver Erêndira fugir, prefere fingir-se de desentendido e parte, porém após a fuga a avó descobre a falcatrua e acaba por encontrar o fotógrafo no caminho, onde o mesmo é abatido pelos agentes da estribo.
Lojista da povoação: Homem repugnante, viúvo e conhecido por pagar uma boa quantia pela virgindade. O mesmo compra Erêndira por um preço baixo devido a sua análise na garota, e a abusa de forma brutal.
Os Amadises: Amadis pai, do qual a avó desalmada é viúva, é morto em combate, e Amadis filho, pai de Erêndira, é morto por febres melancólicas.
O homem do correio: Homem ao qual a avó deixou que pagasse menos para possuir Erêndira, com a condição de que este fizesse propaganda da mesma.
Os missionários: Detém a custódia de Erêndira por um tempo, a livrando do abuso da avó, porém impondo à menina trabalhos pesados.
O carregador: Pretende levar Erêndira embora, porém desiste quando a avó lhe conta o preço da menina, baseado na divida que a mesma tem após acidentalmente incendiar a enorme mansão.
As prostitutas: Por inveja, carregaram Erêndira nua e acorrentada a cama até o centro da praça, expondo-a.
Foco narrativo
O narrador do conto usa a terceira pessoa para narrar, sendo heterodiegético, pois não participa da história. O foco narrativo fica como narrador onisciente neutro, já que em nenhum momento o narrador faz comentários opinativos sobre as personagens ou situações. O narrador é observador e a narração acaba por ser distanciada. Não aproxima o leitor de nenhuma situação ou pensamento dos personagens.
Tema, motivos e motivação
O tema do conto é a prostituição. Os motivos são: a maldade, a crueldade, exploração infantil, o rancor, o ódio e a paixão. A motivação da maldade, crueldade e da exploração infantil originam-se da avó em razão de suas ambições. Já a motivação do rancor e do ódio partem de Erêndira que, ao ser prostituída pela avó, cria ódio pela mesma e a deseja ver morta. A motivação da paixão é o sentimento de Erêndira por Ulisses.
Nó, clímax e desfecho
O nó ocorre quando Erêndira deixa o candelabro aceso perto das cortinas, causando o incêndio na mansão. O clímax ocorre na tentativa de Erêndira de esfaquear a avó. Já o Desfecho seria a fuga de Erêndira após Ulisses matar a avó desalmada.
Espaço, ambiente e ambientação
Praticamente toda a história se desenvolve no deserto, mudando apenas quando estão em frente ao mar. O narrador usa as ações dos personagens como recursos de ambientação, como no trecho abaixo, no qual as ações brutais e cruéis do viúvo constroem um ambiente violento:
‘’Á primeira tentativa do viúvo, Erêndira gritou algo inaudível e tentou escapar. O viúvo respondeu-lhe sem voz, torceu-lhe o braço pelo punho e arrastou-a até à rede. Ela resistiu-lhe com um arranhão na cara e voltou a gritar em silêncio e ele respondeu-lhe com uma bofetada soleque que a levantou do chão e a fez flutuar um instante no ar com o comprido cabelo de medusa ondulando no vácuo, abraçou-a pela cintura antes que voltasse a pisar no chão, derrubou-a dentro da rede com um golpe brutal e imobilizou-a com os joelhos. Erêndira sucumbiu então ao terror (...)’’ (página 53).
O narrador também usa a decoração dos locais como recursos de ambientação
''Enquanto a avó navegava pelos lamaçais do passado, Erêndira ocupou-se a varrer a casa, que era escura e pintada de várias cores, com móveis frenéticos e estátuas de césares inventados, e aranhas de lágrimas e anjos de alabastro, e um piano com verniz de ouro, e numerosos relógios de formas e medidas imprevisíveis. Tinha no pátio uma cisterna para armazenar durante muitos anos a água transportada a dorso de índio desde mananciais remotos, e numa argola da cisterna estava uma avestruz raquítica, o único animal de penas que pôde sobreviver ao tormento daquele clima malvado. Estava longe de tudo, na alma do deserto, junto a uma espécie de povoado com ruas miseráveis e ardentes, onde os cabritos se suicidavam de desolação quando soprava o vento da desgraça’’ (página 49-50).
No trecho abaixo, além de usar a decoração, também ressalta que ‘’ouviam-se gritos distantes, uivos de animais remotos, vozes de naufrágio’’, demonstrando o ambiente que Erêndira via e sentia naquele momento.
‘’Pastos na beira dos tijolos estavam vasos de cactos e outras plantas de aridez. Pendurada entre dois pilares, agitando-se como a vela solta de uma balandra garrada, estava uma rede sem cor. Por cima do assobio da tormenta e as cordoadas da água ouviam-se gritos distantes, uivos de animais remotos, vozes de naufrágio.’’ (página 53).
Poucas vezes o narrador usa elementos do deserto para transpassar o clima físico desagradável e da miséria do espaço no qual se passa a história
‘’A avó protegia-se do sol eterno com um guarda-chuva descosido e respirava mal pela tortura do suor e do pó’’ (página 53).
‘’A avó observou com incredulidade as ruas miseráveis e solitárias de uma povoação um pouco maior, mas tão triste como a que tinham abandonado’’ (página 54).
Tempo e recurso de subjetivação dos personagens
O tempo cronológico no conto se dá de forma sequencial, sendo apresentado na ordem passado-presente em que ocorrem os acontecimentos. Entende-se que toda a trajetória de Erêndira tenha durado em torno de 6 anos até a morte de sua avó e posterior fuga. No tempo psicológico é possível perceber o impacto do tempo sobre a maturidade de Erêndira que, apesar da juventude, sentia-se mais velha e madura devido ao sofrimento e abuso que sofreu nas mãos da avó.
‘’Erêndira pôs então a bandeja numa mesa, inclinou-se sobre a avó, observou-a bem, sem lhe tocar, e, quando se convenceu de que estava morta, o seu rosto adquiriu subitamente toda a madureza de pessoa adulta que não lhe tinham dado os seus vinte anos de infortúnio.’’ (página 82).
As analepses se encontram muito presentes no conto pelos delírios nostálgicos da avó durante o sono, onde acaba por revelar fatos de seu passado.
‘’ –Lá estava ele –dizia –, comum papagaio no ombro e um trabuco de matar canibais, como chegou Guatarral às Guianas, e eu senti o seu alento de morte quando se especou em frente de mim e me disse: <
Gabriel Gárcia Marquez no conto de Erêndira retrata como estava a situação da América Latina em relação aos Estados Unidos da América, sendo este dominador sobre as nações de menor riqueza. Erêndira representando a liberdade e a avó que se negava a perdoar a dívida seria uma forma encontrada por Gabriel para representar a avareza dos Estados Unidos, com o ‘’sangue verde’’ da avó representando o dinheiro. O autor retratou como as nações se portavam em relação a grande potência, que de uma forma tentava efetivar uma dominação extrema desses países. A presença do mesmo no Iraque é outro fator que comprova essa tentativa, situação vista até os dias atuais.
Estilo do autor
Gabriel Gárcia Marquez nasceu na Colômbia e morreu dia 17 de abril de 2014, vítima de uma pneumonia. Conhecido por criar o realismo mágico na literatura latino americana. Essa escola literária foi conhecida no século XX, pois reúne a união do mundo mágico com o mundo real visto com grande intensidade nas obras de Gabriel. No conto Erêndira, Gárcia utilizou grande parte do realismo, aceitável a lógica e a razão, como a prostituição infantil. O autor dentro dessa obra traz críticas a diversos temas recorrentes na sociedade, rompendo assim paradigmas.
Recursos de linguagem
Uso de metáforas
‘’ –Tenho vidro moído nos ossos –disse’’ (página 57).
Nessa fala de Erêndira o autor faz uma metáfora para intensificar a dor da menina, chegando a colocar ‘’vidro moído’’ no lugar dos ossos para descrever a dor no corpo.
‘’A avó, nua e grande, parecia uma formosa baleia branca na alverca de mármore’’ (página 49).
Nesse trecho o autor faz uma metáfora para descrever o corpo grande da avó de Erêndira.
‘’Enquanto o viúvo a despia, rasgando-lhe a roupa com unhadas esgaçadas, como a arrancar erva, desfazendo-a em longas tiras de cor que ondulavam como serpentinas e se iam com o vento’’ (página 53).
No trecho acima o autor faz uma metáfora com as roupas de Erêndira ‘’como arrancar erva’’, em seguida pode-se notar um leve realismo mágico, pois não seria possível Erêndira ver as tiras de suas roupas ‘’ondulando como serpentinas’’ em uma espécie de câmera lenta já que tudo estava acontecendo tão rápido naquele momento.
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